Como uma substância que chegou a valer seu peso em ouro se transformou em algo que muitas instituições médicas consideram um importante fator de previsão de doenças?
O lobby do sal pode ser uma resposta para esta pergunta.
Como gastroenterologista e cientista pesquisador da Universidade de Washington, nos Estados Unidos, gostaria de compartilhar as crescentes evidências de que os micróbios dos confins do seu intestino podem também esclarecer um pouco mais sobre a contribuição do sal para o surgimento de doenças.
Panela de pressão arterial
A influência do sódio sobre a pressão arterial e as doenças cardíacas é o resultado, em grande parte, da sua função na regulagem da quantidade de água dentro dos vasos sanguíneos.
Resumidamente, quanto mais sódio você tiver no corpo, mais água ele irá puxar para dentro dos vasos sanguíneos. Essa água gera maior pressão arterial e, consequentemente, aumento do risco de paradas cardíacas e AVCs.
Certas pessoas podem ser mais ou menos sensíveis aos efeitos do sal sobre a pressão arterial.
Pesquisas recentes indicam mais uma forma em que o sal pode elevar a pressão arterial: alterando o microbioma intestinal.
Legenda da foto,O excesso de sal pode fazer aumentar a pressão arterial
Com exceção de certos organismos que se desenvolvem no sal, chamados halófilos, altos níveis de sal podem envenenar praticamente qualquer micróbio – até aqueles que o seu corpo quer manter por perto.
É por isso que as pessoas usam sal há muito tempo para conservar os alimentos e afastar as bactérias indesejadas.
Mas a alimentação moderna costuma ter muito sódio. Segundo a Organização Mundial da Saúde, o consumo saudável para o adulto médio é de menos de 2 mil miligramas por dia. Mas a ingestão média global de 4.310 miligramas de sódio provavelmente terá aumentado a quantidade de sal no intestino acima dos níveis recomendáveis.
A alimentação com alto teor de sódio e os altos níveis de sódio nas fezes estão significativamente relacionados a distúrbios metabólicos, incluindo aumento do nível de açúcar no sangue, fígado gorduroso e ganho de peso.
De fato, um estudo estimou que, para cada grama de aumento da ingestão diária de sódio, o risco de obesidade aumenta em 15%.
Um importante estudo alimentar dos Institutos Nacionais de Saúde dos Estados Unidos concluiu que pessoas que consumiram alimentos ultraprocessados por duas semanas ingeriram cerca de 500 calorias a mais e pesaram cerca de 900 gramas a mais do que as pessoas que seguiram alimentação minimamente processada.
Uma das maiores diferenças entre as duas dietas foi a quantidade adicional de 1,2 g de sódio consumida com os alimentos ultraprocessados.
Uma das principais explicações para o possível ganho de peso causado pelo aumento do sal, apesar dele não conter calorias, é o fato de que o sódio aumenta o desejo de comer.
Quando o sódio é combinado com açúcares simples e gorduras não saudáveis, esses chamados alimentos hiperpalatáveis podem ser relacionados ao ganho de gordura. Isso ocorre porque eles são muito bons para estimular os centros de recompensa do cérebro e comportamentos alimentares similares à dependência.
Crédito,Getty Images
Legenda da foto,Muitas pessoas passariam muito bem com uma pitada de sal a menos
O sal também pode estimular o desejo de comer por meio de um curto-circuito no microbioma intestinal.
Metabólitos do microbioma estimulam a liberação de uma versão natural das drogas Wegovy e Ozempic, usadas para perder peso – o hormônio intestinal GLP-1.
Com o GLP-1, o microbioma saudável pode controlar seu apetite, os níveis de pressão arterial e a decisão do corpo de queimar ou armazenar energia na forma de gordura. Sal demais pode interferir na liberação do hormônio.
Outras explicações para o efeito do sal sobre as doenças metabólicas, com níveis variados de evidências, incluem o aumento da absorção de açúcar e dos corticosteroides de origem intestinal, além de um açúcar chamado frutose que pode gerar acúmulo de gordura e redução do uso de energia para a produção de calor.
Comece limitando o consumo de alimentos altamente processados: carnes salgadas (como fast food e carne curada), guloseimas salgadas (como bolachas e batatas fritas) e lanches com sal (como refrigerantes, condimentos e pães).
Até 70% do sal na alimentação nos Estados Unidos são consumidos atualmente em alimentos processados e embalados.
Em vez disso, concentre-se em alimentos com baixa adição de sódio e açúcar e com alto teor de fibras e potássio, como alimentos vegetais não processados: feijões, nozes, sementes, grãos integrais, frutas, legumes e verduras.
Alimentos fermentados costumam conter alto teor de sódio, mas também podem ser uma opção saudável, devido aos altos níveis de ácidos graxos de cadeia curta, fibras, polifenóis e potássio.
Por fim, considere o equilíbrio entre sódio e potássio na sua alimentação. O sódio ajuda a manter fluidos nos vasos sanguíneos, enquanto o potássio ajuda a manter fluidos nas células. O melhor é consumir sódio e potássio na alimentação em proporções equilibradas.
É sempre bom analisar todo conselho "com um grão de sal", mas o seu microbioma pede gentilmente que esse grão não seja grande demais.
* Christopher Damman é professor de gastroenterologia da Faculdade de Medicina da Universidade de Washington, nos Estados Unidos.
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